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A Cartomante e o Quinto Personagem

Adenilson Barcelos de Miranda
Nicolas Regnier- A Cartomante (1620-1630)
Nicolas Regnier- A Cartomante (1620-1630)

Dias antes do meu aniversário, recebi no celular uma mensagem de uma amiga, junto da qual acompanhava um cartão para acesso a um presente. O cartão dava-me direito a uma conversa com uma profissional. Intrigado, aceitei e agendei o atendimento, supondo que seria uma psicóloga para uma conversa analítica.




No dia marcado, pela tela do celular, busquei o acesso à sessão virtual e disposto a uma conversa analítica sobre a vida, os desafios e as inquietações que me habitavam.


Ao iniciar a chamada, fui surpreendido com o que vi e ouvi. A jovem que me recebeu não trazia em si uma imagem que eu esperava. Com um sorriso acolhedor, pediu que eu ficasse à vontade para falar sobre a minha vida enquanto ela faria uso de cartas de três baralhos como suporte ao nosso diálogo. Por um momento hesitei, mas logo me entreguei ao fluxo da conversa, observando que as cartas eram movimentadas e interpretadas com naturalidade.


O que as cartas dizem? Onde estão as informações do futuro para se manifestarem na probabilidade das cartas sobre uma mesa? O futuro paira em algum lugar? Seria o futuro apenas a probabilidade do presente pulsante? Os pecadores vivem da esperança projetada no futuro, enquanto os santos vivem do passado glorioso? O tempo, como dimensão junto ao espaço, deixa suas evidências na sensibilidade de uma cartomante?


Em minha mente, a cena da moça na tela do celular me levou a lembrar de um quadro que sempre me fascinou: "A Cartomante", de Nicolas Régnier. Nele, quatro personagens compõem a cena. Do lado esquerdo a cartomante cigana segura e observa a mão de uma mulher branca que se posiciona no lado direito do quadro. Ao lado da cartomante, uma senhora, talvez outra cigana, observa a cena atentamente. Entre a cartomante e a senhora, um homem parcialmente coberto por uma sombra projeta um olhar direto para nós. Nós, eu e você, os espectadores, criando a ilusão de que no quadro somos o quinto personagem: aquele que contempla a pintura.


Com o celular em mãos, a moça do outro lado da tela deu início a sua apresentação e posteriormente comecei a falar. Durante a sessão, agora diante da cartomante moderna, ciente de que havia algo mais ali do que um simples jogo de cartas, eu falava da minha vida.


Na tela do celular havia uma troca, criava-se um espaço de escuta e interpretação que se desenhava não apenas nas cartas viradas, mas também nas palavras ditas e não ditas. A cartomante moderna, conversando comigo em meio a sorrisos e olhos expressivos. O que ela dizia se somava aos meus sentimentos, aos detalhes do quadro vivo na lembrança.


Ao término da sessão eu estava sozinho no centro do quarto, atônito, com uma sensação familiar de pertencimento a algo maior. Como na pintura "A Cartomante", de Nicolas Régnier, na sessão com a cartomante moderna, eu havia sido o espectador e, ao mesmo tempo, um personagem imerso na pintura, olhando e sendo observado, participando de histórias que, como cartas embaralhadas, se revelam diariamente aos poucos.

 
 
 

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