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Azul celeste

  • Foto do escritor: Adenilson Barcelos de Miranda
    Adenilson Barcelos de Miranda
  • 27 de ago. de 2024
  • 2 min de leitura

Jeferson, com sua memória aguçada e audição atenta, é um observador nato. A experiência como secretário moldou nele uma capacidade de captar nuances, uma habilidade de ouvir o mundo ao seu redor. Seu olhar, sempre distante, guarda uma melancolia velada que não reluz nas camisas florais que agora usa, contrastando com o azul-celeste que o acompanhou nos anos de serviço público.

Um azul que evocava o céu de Brasília, aquele céu sem nuvens que reflete a aridez de sua alma, ressequida pelo tempo seco.


Após sua transição para uma equipe técnica na área da saúde, o seu curso de enfermagem ganhou outra perspectiva. O curso intensificou a equivocada dicotomia entre vida e morte, uma luta que ele evita travar, porque ele está mais interessado em observar do que ganhar. Sua pele, fina como uma folha, sente o mundo de forma aguda, quase dolorosa, mas sempre sincera. A luz, mesmo a suave luz da lua, que é, afinal, o reflexo do sol, o fere. Para ele, a noite não pode conter o sol, mas pode trazer o dia, em uma inversão de sentidos que apenas ele compreende plenamente.


Aqueles ao seu redor tentam rotular essa sensibilidade como depressão, mas ele sabe a finitude dos nomes e sabe o que sente vai além. Ele não teme a morte como os outros, seu verdadeiro temor é que a vida, em toda a sua intensidade, deixe de ser vivida, que o pulsar diário se perca na rotina do existir. Quando ele olha para o horizonte, o medo não é testemunhar o céu desabar, mas que sua ligação com a vida se dilua. Ele já sabe que aquilo que se opõe à morte não é a vida, como equivocadamente acreditam as pessoas. Ele sabe que aquilo que se opõe a morte é o nascer. A vida? Essa é outra dimensão, presente antes do nascer e além a morte.


Vincent van Gogh, Noite Estrelada (1889).

Nesse mundo de sensações e temores, Jeferson se encontra em uma estranha afinidade com "Noite Estrelada" de Van Gogh. As cores vibrantes e as linhas onduladas do céu noturno no quadro evocam a turbulência interna que ele sente, um mundo onde a luz do sol e da lua se confundem, onde o céu parece prestes a cair, mas, ao mesmo tempo, a vida pulsa com uma força indomável.



Assim como no quadro, onde o cosmos parece estar em movimento perpétuo, a vida de Jeferson é uma dança constante entre a sensação e a introspecção, entre o viver e o existir.


No quadro de Van Gogh, as estrelas brilham com uma intensidade quase sobrenatural, muito além do que a realidade nos mostra. Da mesma forma, Jeferson vive uma realidade intensificada, onde a vida e o encanto se entrelaçam em uma trama que poucos conseguem compreender. É nesse lugar, nesse espaço onde a vida, em sua essência mais pura, se torna uma experiência essencialmente espiritual, onde cada dia é uma nova oportunidade para sentir o pulsar da existência, para viver o "pão nosso de cada dia" com uma intensidade única. Assim, ele segue com a sua camisa floral sob o sol.

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© 2024 por adenilson.barcelos.de.miranda.

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