Nairi
- Adenilson Barcelos de Miranda
- 23 de set. de 2024
- 3 min de leitura

A Nairi de Porto Velho parece carregar no próprio nome a força de duas heranças distintas, e, no entanto, profundamente conectadas pela simbologia da água. O nome, de origem armênia, que remete a uma terra de rios, encontra eco na história da Nairi Karitiana, indígena de Rondônia, cujo povo também habitou as margens de grandes cursos d'água.
Entre o fluxo de dois mundos, Nairi se move como um rio sereno, silencioso, mas potente, trazendo consigo a sabedoria de seu povo e a coincidência, quase mágica, de um nome que lhe foi dado sem se saber de suas profundas ressonâncias.
Filha de um pajé, ela cresceu sob o olhar atento de quem não apenas cuida dos corpos, mas também das almas, como os antigos xamãs de todas as terras. Seu pai, um guardião da saúde e da espiritualidade, enxerga além do físico. Ele conhece os segredos das ervas, das orações, e dos espíritos que habitam cada pedra, cada folha, cada gota de chuva. Para ele, a saúde é mais que a ausência de doenças, é harmonia com o mundo, com os ancestrais, com o rio que corre dentro e fora de cada um.
Curiosamente, essa sabedoria ancestral encontra eco na definição moderna de saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS), que afirma que a saúde não é apenas a ausência de doenças, mas um estado de completo bem-estar físico, mental e social. O pajé Karitiana, em sua prática, já compreendia isso muito antes de a ciência definir. A cura para ele não é apenas cuidar do corpo enfermo, mas equilibrar o indivíduo com a natureza ao redor, restaurando a harmonia entre o ser humano, o ambiente, e os outros. O bem-estar é visto em um todo: a mente, o corpo, e o espírito em sintonia com o mundo.

A chegada da tecnologia, da internet e da telessaúde, para muitos, poderia ser vista como uma ruptura, um corte na tradição. Mas não para Nairi. Foi o que ela nos transmitiu nos dia 5 e 6 de setembro, durante a capacitação dos profissionais do DSEI Porto Velho no uso dos serviços de telessaúde no âmbito da Oferta Nacional de Telediagnóstico (ONTD). Ela enxerga a tecnologia como uma ponte, uma extensão do que seu pai sempre fez. A telessaúde, para ela, é mais do que diagnósticos e consultas à distância. É a capacidade de conectar, de trazer de longe a cura, da mesma forma que o pajé conecta o espírito dos vivos com os mortos, o corpo com o invisível. A saúde, na visão dela, ainda é um fluxo, uma interconexão entre o antigo e o novo, entre o físico e o espiritual.
Enquanto Nairi se senta à margem de um rio — real ou simbólico, é difícil dizer —, ela contempla o fluxo do tempo e da história. O que os povos de Nairi, lá da antiga Armênia, diriam ao ver uma indígena Karitiana em Rondônia, cujo nome ecoa com tanta precisão as águas de um passado distante? Talvez entendessem, assim como seu pai, que a saúde, seja física ou espiritual, flui como um rio, movendo-se entre épocas, culturas e tecnologias.
As águas encontram sempre uma forma de seguir em frente, assim como Nairi, unindo o ancestral e o moderno, o espiritual e o técnico, em um fluxo contínuo de cuidado e vida. Ela compreende que, tal como preconiza a OMS, a saúde está em tudo que nos conecta, tanto ao que nos circunda quanto ao que carregamos em nós mesmos.
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