O nome que chama não pega fogo
- Adenilson Barcelos de Miranda
- 5 de set. de 2024
- 3 min de leitura
Capacitação e treinamento em serviços de Telessaúde - DSEI Vilhena/RO

Rondônia é um estado fronteiriço com o Mato Grosso, o Amazonas, o Acre e com a Bolívia. Possui uma economia diversificada, com destaque para a agricultura, a pecuária e o extrativismo. Essas atividades estão intimamente relacionadas com a perda de biodiversidade, o agravamento das mudanças climáticas e o comprometimento dos recursos hídricos da região.
O fogo é uma ferramenta de senso comum quando as chamas transformam a floresta em pastagem, limpam os roçados e preparam a terra para as atividades produtivas. Esse ciclo de corte e queima é uma prática antiga, que ressoa com a própria ocupação da região: destruir para construir.
Setembro de 2024: um sol aprisionado em um manto cinza de fumaça, paira no céu e nos surpreende com a ilusão de uma lua vermelha ao meio-dia. Mas a tragédia que se desenrola em Rondônia transcende a metáfora celestial do fim dos tempos. O céu pega fogo, a terra queima, mas a semente plantada na saúde indígena brota vida.

Nos dias 2 e 3 de setembro de 2024, uma ação promovida pela Secretaria de Informação e Saúde Digital (SEIDIGI), em conjunto com o Departamento de Saúde Digital e Inovação (DESD), promoveu a capacitação e o treinamento de profissionais de saúde que atuam junto ao Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) para o uso dos serviços de Telessaúde. Essa iniciativa é uma solução para mitigar os desafios enfrentados pelas comunidades indígenas no acesso a cuidados médicos regulares. Nesse contexto, uma oficina foi realizada no DSEI de Vilhena, cuja sede está localizada no município de Cacoal, no estado de Rondônia.
Durante a oficina, lembrei-me de que a maneira como hoje nomeamos e reconhecemos diversos povos indígenas não reflete como eles próprios se referem a si mesmos. A exemplo disso temos o termo “Cinta Larga”, uma designação externa para esse povo indígena, criada pelos habitantes da região e adotada pela Funai.
A denominação faz referência a um costume particular desses indígenas no uso de uma larga cinta confeccionada com a casca de uma árvore. É importante ressaltar que os próprios Cinta Larga não utilizam essa denominação para se identificar de forma coletiva. No entanto, o nome “Cinta Larga” foi incorporado por eles em suas interações com a sociedade envolvente.
Entre os Cinta Larga, o nome é muito mais do que uma simples identificação. O nome verdadeiro, set teré, não é para qualquer um. Ele é um segredo, um símbolo da alma, revelado apenas àqueles que são dignos de confiança. Para o mundo, eles têm outros nomes, mais superficiais, que servem ao cotidiano. Mas o set teré está guardado, como uma semente preciosa oculta no âmago da terra, revelado apenas a quem merece.
Diante de mim estavam os profissionais de saúde do DSEI Vilhena. Ali, cada nome, cada rosto, carregava uma história que eu não conhecia, uma história que talvez jamais conhecesse completamente. Mas a compreensão dessas camadas de identidade – do que é revelado e do que é escondido – passou a guiar minha forma de interagir.
Ao implementar a Telessaúde como uma solução viável para fortalecer a rede de atendimento e garantir o acesso contínuo e integrado à saúde para a população indígena, a SEIDIGI não apenas levou tecnologia, mas também se deparou com uma cultura rica e profunda. Por meio da Telessaúde os profissionais de saúde terão consultas, diagnósticos e acompanhamento à distância, expandindo o acesso à saúde de qualidade. Mas é nas entrelinhas dessas interações, no respeito pelos nomes que não são ditos, que a verdadeira ponte de confiança se constrói.
Ao final de cada oficina, após mais uma sessão de capacitação e treinamento, eu plantei meus olhos a observar o semblante das pessoas, refletindo sobre o que havia aprendido, e me perguntava qual seria o meu set teré, aquele nome que revela quem eu sou de verdade. Será que algum dia eu o conhecerei? E será que um dia me tornarão digno de conhecer o deles?
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