top of page

Celma, vagalumes e outros vagalumes

  • Foto do escritor: Adenilson Barcelos de Miranda
    Adenilson Barcelos de Miranda
  • 21 de out.
  • 2 min de leitura

ree

Todas as manhãs, ao chegar ao trabalho, ligo o computador, que abre os olhos em duas grandes telas luminosas a me observar. Os documentos aguardam, com suas palavras guardadas à presença dos meus olhos.




As pessoas vão chegando e se cumprimentam; faço o mesmo e aninho em minhas mãos um copo e uma xícara de uso pessoal.


Sozinho, às vezes acompanhado de um pensamento tenso, caminho por um extenso corredor que atravessa o prédio e avança por setores distintos. Sou conduzido e sigo meus passos do departamento à copa. Levo comigo o copo e a xícara até a pia, onde serão lavados por mim: quase um gesto contido em um rito espiritual.


No caminho, reconheço pessoas — e também as cadeiras sentadas, à espera de pessoas que ainda estão a caminho, atravessando o barulho da cidade. Nada de extraordinário, a não ser pelo fato de que, no mesmo corredor, no departamento ao lado, periodicamente avisto alguém. Como se fosse ela um pássaro que voa seguindo as estações do ano, como fazem as andorinhas em direção ao verão.


Ela tem traços orientais e uma presença silenciosa que me aproxima, em meus pensamentos de sentir, do animador japonês Hayao Miyazaki. Sim, aquele que, diante de uma folha de papel, traço por traço, cria mundos que ninguém mais vê: tecidos de memória, sentimento e cotidiano.


Um dia, a conversa escapou e ganhou voo no ambiente fechado. Demos início a um diálogo sobre desenhos animados. Naquele dia, eu segurava um copo descartável, porque minha xícara de vidro de parede dupla havia quebrado.


Ali, enquanto eu molhava as palavras no café, ela me contou que, ao assistir ao filme Túmulo dos Vagalumes, de Hayao Miyazaki, chorou.


Fiquei pensando nas lágrimas dela: pequenas lâmpadas a cintilar na escuridão dos olhos fechados, até vencerem as cortinas das pálpebras e pousarem sobre a pele. Imaginei suas mãos acolhendo as lágrimas, enquanto Miyazaki, atento, esboçava o seu rosto e o movimento de suas mãos.


Então me dei conta de que ela é uma personagem de Hayao Miyazaki. Cada gesto seu é um traço da delicadeza de um filme feito à mão, com atenção aos detalhes, oferecido ao mundo para quem busca contemplar a luz.


No Japão, os vagalumes são símbolos de amor efêmero e beleza passageira. São duas asas que voam uma pequena luz, um brilho que vem de dentro, silencioso, avesso à urbanização e ao excesso de luz artificial que interfere na comunicação luminosa entre eles.


Essas pequenas luzes representam formas de vida que persistem: tudo aquilo que resiste à homogeneização e à violência da modernidade.


O vagalume é a metáfora do frágil que persiste, insiste e existe.


O café acabou. O copo descartável de papel em minhas mãos. No fundo dele, a tinta do café desenhou uma imagem abstrata — logo vi que era um sinal. Ela, de fato, era uma personagem de Hayao Miyazaki entre nós, trazendo luz.


Comentários

Avaliado com 0 de 5 estrelas.
Ainda sem avaliações

Adicione uma avaliação
bottom of page