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Uma promessa, um encontro

  • Foto do escritor: Adenilson Barcelos de Miranda
    Adenilson Barcelos de Miranda
  • 30 de ago. de 2024
  • 3 min de leitura

Naquela manhã, acordei com a determinação de cumprir uma promessa que há muito tempo havia feito. O quadro, que há tempos habitava o horizonte do pequeno apartamento, estava destinado a Carolina. Confesso que não foi fácil decidir-me a tirá-lo de casa. Ele havia se tornado mais que uma simples obra de arte – era uma presença constante, quase um companheiro silencioso.


Após muito hesitar, finalmente o embalei com cuidado e me dirigi ao ponto de ônibus. O quadro, de dimensões generosas, causou um certo desconforto na roleta e durante a viagem, mas segui firme em meu propósito. Ao chegar ao trabalho, subi ao terceiro andar, onde Carolina também trabalha. Ela ainda não havia chegado. Deixei o quadro com Luci, que, com sua habitual gentileza no sorriso, indicou um lugar adequado para acomodar o quadro.


Assim que chegou, Carolina veio ao meu encontro com um sorriso sincero nos lábios, grata pelo presente. A emoção em seus olhos foi suficiente para reafirmar que eu havia tomado a decisão certa.


Após o almoço, saí para caminhar e acabei me encontrando com um amigo. Enquanto conversávamos, avistei Luci conversando com um homem de terno azul. Algo no brilho do cabelo ruivo daquele homem me chamou a atenção. A minha visão periférica capturou algo familiar, algo que me fez desviar o olhar da linha do horizonte para ele.


Conforme me aproximava, o brilho daqueles cabelos, seguido pela barba ruiva, foi ganhando forma em minha mente, e então, como um raio de certeza, eu o reconheci. Era Vincent Van Gogh.

Auto-retrato. Van Gogh (1889).

Luci, estava ali, dialogando com Vincent van Gogh como se fosse o mais natural dos encontros. A emoção me tomou de assalto, e antes que pudesse me conter, me apresentei a ele. Van Gogh, em seu terno azul, parecia surpreso, mas também cordial. Luci floriu um sorriso amplo de quem sabia o valor daquele momento.


Eu queria conversar, dizer a Van Gogh o quanto suas cartas para o seu irmão, Theo, me comoviam, o quanto seus quadros eram mais que paisagens – eram retratos de sua própria alma, do brilho de seu sol interior, tão parecido com seus cabelos ruivos. Quis falar do sol, aquele astro que ele tanto admirava e pintava, e que talvez fosse um espelho de sua própria essência. Mas algo em sua postura, em sua presença ali, me fez perceber que não eram necessárias tantas palavras. Apenas o gesto de apertar sua mão, aquele toque de sincera admiração, seria suficiente para ele levar consigo, onde quer que fosse.


Alguém depois me disse que não era Van Gogh, mas Artur. Eu não duvido disso, longe de querer saber a verdade. Eu sei que a realidade são mistérios como ossos por dentro da carne e a carne por dentro da pele do imaginário. Assim nasce a realidade.


Enquanto me afastava, pensava na estranha sincronicidade do dia, na incerteza das horas. Acordar disposto a levar um quadro, algo que tanto resisti em fazer, e ser acolhido por Luci no terceiro andar para entregá-lo a Carolina. Justamente naquele dia, na força do acaso, no exato momento em que as estrelas se alinham e chegam ao fim em explosões de supernovas, liberando toda a matéria que nos compõe, eu encontro Van Gogh.


O que ele dizia enquanto pintava – que somos filhos das estrelas – nunca pareceu tão verdadeiro. As estrelas que um dia brilharam intensamente e agora não mais, deixaram em nós seu legado, sua luz impressa em cada átomo de nosso ser. E assim, mesmo sem brilharem, elas vivem em nós, assim como Van Gogh vive em suas pinturas, em suas cartas, e naquele instante em que apertamos as mãos.


Somos estrelas no âmago do nosso ser, pensei. Aquelas que se foram, que deixaram de brilhar, ainda vivem em nós, nas memórias, nos gestos, nas promessas cumpridas, nas mãos que se apertam, no abraços que se libertam. E naquele dia, ao doar o quadro que tanto guardei, compreendi que, tal como as estrelas, o que deixamos para trás continua a brilhar, em outras formas, em outros olhares.


Van Gogh tem razão: somos estrelas, com nossa própria luz, esperando para brilhar novamente.

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