O Bobo da Corte
- Adenilson Barcelos de Miranda
- 17 de mar.
- 3 min de leitura
Triboulet foi, talvez, o mais famoso Bobo da Corte da França. Servo de Francisco I, ele era mais que um simples sujeito para o entretenimento. Sua língua afiada e sua sagacidade fizeram dele uma figura temida e respeitada. Sua arte era o riso, mas seu poder residia na licença que tinha para dizer o que outros não ousavam. Ria-se do rei, mas também ria-se com ele, e nisso havia um jogo perigoso de verdades e ilusões.

O rei governa com o peso do poder soberano, um poder que se mede, em última instância, pela sua capacidade de decidir sobre a vida e a morte. A autoridade real se impõe, seu domínio é inquestionável. Mas o rei pode se render. E pode morrer... de rir. Porque diante do Bobo da Corte, a lógica se inverte: o fraco diverte o forte, e a tensão pode conduzir ao riso.
Não qualquer riso, mas um riso tenso, carregado de nuances, um riso que tanto pode ser a catarse do poder quanto seu reflexo deformado no espelho da ironia.
Todo ambiente tem seu Bobo da Corte. Às vezes, ele usa uma roupa colorida e um gorro com guizos, mas quase sempre ele veste a mesma farda que os demais, senta-se entre os outros, caminha pelos corredores sem ser percebido como tal. O que faz rir e de quem se ri define muito sobre os jogos de poder que atravessam os espaços. No trabalho, na sala de aula, em qualquer ambiente hierárquico, há sempre alguém que, por astúcia ou instinto, aprende a dançar na corda bamba do discurso, a dizer verdades sem ser esmagado por elas, a arrancar uma aprovação que, muitas vezes, não é mais que um reflexo infantil da necessidade de aceitação. O Bobo da Corte pode ser o aluno que agrada para ser aprovado, o trabalhador que tece comentários espirituosos para não ser engolido pela rigidez do sistema, o interlocutor que transita entre os grupos, brinca, ironiza, expõe, mas sem jamais se comprometer completamente com a realidade que denuncia.
Na tensão entre a verdade e a ilusão, o Bobo da Corte caminha com sua liberdade peculiar. Ele pode dizer aquilo que todos sabem, mas não ousam verbalizar. Pode expor as falhas do reino sem ser punido, porque o faz de maneira cômica, travestindo a denúncia de diversão. O riso que provoca pode ser libertador, mas também pode ser o último escudo antes da queda. Resta saber se o rei está rindo porque compreende a piada ou porque acredita que está imune a ela. Resta saber quem, no final das contas, é o verdadeiro “bobo”.
Mas há um outro tipo de Bobo da Corte, aquele que não confronta, mas se rende completamente. No ambiente de trabalho, na política corporativa, ele não desafia e muito menos oferece contribuição ao rei, mas o bajula. Seu riso não carrega a astúcia de Triboulet, mas a submissão conveniente de quem busca favores e privilégios. Ele não denuncia, apenas sobrevive. E assim, nas paredes do castelo, o silêncio se instala – um silêncio de concordância vazia, de ecos que repetem apenas o que se espera ouvir. Esse Bobo da Corte – ou melhor, essa distorção do Bobo da Corte – é aquele que, no ambiente de trabalho, segue imitando com a intenção de se tornar igual e assim, compromete-se apenas consigo mesmo, sem agir em prol do coletivo e muito menos se reconhece como parte da categoria na qual está imerso, submerso, sem universo.
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