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Biopolítica e Necropolítica: Poder, Racismo e Cultura em Foucault e Mbembe

  • Foto do escritor: Adenilson Barcelos de Miranda
    Adenilson Barcelos de Miranda
  • 30 de set.
  • 4 min de leitura

Atualizado: 12 de out.

Foto: Pintura em parede de casa em Parintins (AM). Adenilson Barcelos de Miranda (2014).
Foto: Pintura em parede de casa em Parintins (AM). Adenilson Barcelos de Miranda (2014).

Introdução

A reflexão sobre as relações entre poder, vida e morte ocupa lugar central na filosofia política contemporânea. Dois pensadores fundamentais nesse debate são Michel Foucault (1979; 1999)e Achille Mbembe (2018). Enquanto Foucault desenvolve a noção de "biopolítica" e "poder disciplinar" voltada para a gestão da vida pelas instituições modernas, Mbembe propõe o conceito de "necropolítica", que evidencia a centralidade da morte na organização política contemporânea, sobretudo em contextos coloniais e pós-coloniais. Este estudo busca apresentar os principais elementos desses conceitos, destacando as convergências e divergências entre os autores, bem como suas contribuições para compreender a relação entre cultura e poder.


Foucault e a Biopolítica

Em defesa da sociedade, é neste curso no Collège de FranceMichel que Foucault (1999) introduziu a noção de "biopolítica" ao analisar como, na modernidade, o poder deixou de se organizar apenas pela lógica soberana do “direito de matar” e passou a gerir a vida das populações. Esse biopoder se materializou em práticas ligadas à medicina, estatística, urbanismo, saúde pública, educação e segurança. Contudo, Foucault destaca que tal gestão da vida é seletiva.


Foucault (1999) argumenta que o racismo de Estado se tornou um mecanismo fundamental da "biopolítica", ao legitimar a morte de determinados grupos em nome da vida de outros. Assim, a "biopolítica" introduz a morte dentro da própria lógica de gestão da vida, tornando o racismo uma tecnologia política de exclusão e eliminação.


Mbembe e a Necropolítica

Achille Mbembe (2018), filósofo camaronês, dialoga com Foucault (1979; 1999), mas propõe uma radicalização da análise. Para ele, a "biopolítica" é insuficiente para explicar as formas de violência e dominação nos contextos coloniais e pós-coloniais. Mbembe (2018) desenvolve o conceito de "necropolítica", que descreve a soberania como o poder de decidir não apenas quem deve viver e quem deve morrer, mas também quem viverá em condições de “morte em vida”, como ocorre em zonas de exceção, campos de detenção, periferias militarizadas e ocupações coloniais.


A necropolítica está profundamente estruturada pelo racismo, entendido não apenas como um critério seletivo dentro da biopolítica, como em Foucault (2009), mas como eixo fundamental que organiza o próprio exercício do poder.


Exemplos emblemáticos são o apartheid sul-africano, as ocupações coloniais e a atual situação na Palestina, que Mbembe (2018) identifica como uma das expressões mais avançadas da necropolítica contemporânea.


Embora Achille Mbembe (2018) aponte limites na noção de "biopolítica", é preciso reconhecer a amplitude e a atualidade da contribuição foucaultiana. Ao formular o conceito de "biopolítica", Foucault (1999) não buscou oferecer um modelo fechado, mas um instrumento analítico capaz de compreender como o poder moderno se articula na gestão da vida. Sua ênfase no racismo de Estado, no curso Em defesa da sociedade (1999), já antecipava a percepção de que o poder não apenas preserva vidas, mas legitima mortes seletivas em nome da sobrevivência de outros grupos. Nesse sentido, a "biopolítica" não deve ser vista como insuficiente, mas como a base a partir da qual análises posteriores, como a de Mbembe (2018), puderam se desenvolver. A "necropolítica", portanto, pode ser lida não como ruptura, mas como radicalização de uma intuição foucaultiana: a de que a gestão da vida está intrinsecamente ligada à administração da morte.


Análise Comparativa

Foucault (1999) e Mbembe (2018) convergem ao reconhecer que o racismo é central na relação entre poder e vida. No entanto, divergem em suas ênfases:


  • Para Foucault, o poder moderno é essencialmente biopolítico, voltado à gestão da vida, ainda que recorra ao racismo para legitimar mortes seletivas.

  • Para Mbembe, o poder é fundamentalmente necropolítico, estruturado na produção da morte como forma de governo e sustentado pelo racismo como lógica organizadora.


Cultura, Memória e Resistência em Mbembe

Além de sua análise do poder, Mbembe contribui para o debate sobre cultura ao mostrar como o colonialismo e o racismo não se limitaram ao domínio sobre os corpos, mas também definiram quais culturas poderiam existir, circular e ser reconhecidas. A cultura, em sua perspectiva, é um campo de disputa simbólica, memória e resistência, no qual se confrontam narrativas eurocêntricas e experiências subalternizadas. Assim, pensar cultura implica necessariamente considerar as estruturas coloniais e raciais que moldaram sua história.


Análise

A articulação entre "biopolítica" e "necropolítica" oferece um quadro teórico potente para analisar o presente. Enquanto Foucault nos mostra como o Estado moderno organiza a vida, Mbembe evidencia que, sobretudo em contextos coloniais, pós-coloniais e periféricos, o poder se exerce pela produção sistemática da morte. Ambos, entretanto, permitem compreender que vida, morte, cultura e poder são inseparáveis no estudo da modernidade e de seus desdobramentos.


Referências

FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). São Paulo: Martins Fontes, 1999.


FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 7. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1979.


MBEMBE, Achille. De la postcolonie: essai sur l’imagination politique dans l’Afrique contemporaine. Paris: Karthala, 2000. Disponível em: https://archive.org/details/delapostcoloniee0000mbem.


MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. São Paulo: n-1 edições, 2014. Disponível em: https://www.ppgcspa.uema.br/wp-content/uploads/2020/11/MBEMBE-Achille.-Cr%C3%ADtica-da-raz%C3%A3o-negra1.pdf.


MBEMBE, Achille. Políticas da inimizade. São Paulo: n-1 edições, 2017. Disponível em: https://extremidades.art/x/christinemello/wp-content/uploads/sites/3/2023/08/Politicas-da-inimizade-1.pdf.


MBEMBE, Achille. Necropolítica. 3. ed. São Paulo: n-1 edições, 2018.



PUC GOIÁS

Programa de Pós-Graduação em História 

Disciplina: Cultura e Poder

Professora: Dra. Fernanda de Paula Ferreira Moi

Aula: 19/09/2025



TV La Folie 

Programa Com a palavra, os antimanicomiais n. 15: Biopolítica, Necropolítica e Imperialismo

Professora: Dra. Fernanda de Paula Ferreira Moi

Transmitido ao vivo em 18/03/2023

Adenilson Barcelos de Miranda, Eduardo Sugizaki e Roni Rego




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