top of page

Desobediência Epistêmica

  • Foto do escritor: Adenilson Barcelos de Miranda
    Adenilson Barcelos de Miranda
  • 1 de out.
  • 3 min de leitura

Atualizado: 12 de out.

Igreja na Comunidade Quilombola Boa Vista. Oriximiná (AM).
Foto: Igreja da Comunidade Quilombola Boa Vista. (Oriximiná, PA). Adenilson Barcelos de Miranda, 2014.

O ensaio Desobediência Epistêmica: a opção descolonial e o significado de identidade em política (2008), do professor argentino Walter Mignolo, constitui uma referência fundamental nos debates decoloniais, particularmente na América Latina. O texto questiona a supremacia epistêmica do Ocidente e propõe alternativas para pensar o conhecimento e a política a partir de outras racionalidades.



Ao longo da obra, Mignolo (2008) articula termos, como “epistêmica" e "decolonial", que se tonaram conceitos-chave, instrumentos analíticos potentes para o estudo das relações entre cultura e poder.


O termo “epistêmica” deriva de episteme, do grego, que significa conhecimento. Em filosofia, refere-se às condições de validade e de produção do saber. No contexto decolonial, porém, o termo ganha densidade política, pois o ato de conhecer nunca é neutro, estando imerso em disputas de legitimidade e poder. A questão epistêmica, portanto, está diretamente vinculada à pergunta: quem pode produzir conhecimento e a partir de onde esse conhecimento é considerado válido?


A modernidade europeia transformou sua própria episteme em padrão universal. Suas condições de validade e de produção do saber tornaram-se referência exclusiva, relegando saberes indígenas, africanos, populares e locais à condição de “inferiores” ou “não científicos”. É nesse ponto que emerge a proposta de Mignolo (2008): a “desobediência epistêmica”, que se sustenta em dois princípios centrais: (1) recusar a obediência automática ao pensamento ocidental moderno/colonial e à sua pretensão de universalidade; (2) não rejeitar completamente a filosofia ou a ciência ocidentais, mas negar que elas sejam as únicas formas válidas de conhecer.


A ruptura proposta pela desobediência epistêmica consiste justamente em questionar as formas de validação do conhecimento e o lugar de enunciação de quem o produz. Tal gesto abre espaço para a convivência de múltiplos centros de saber, em diálogo horizontal e sem hierarquias impostas. Ao mesmo tempo, configura-se como um ato político voltado à valorização e à recuperação de epistemologias historicamente marginalizadas. Trata-se de uma forma de resistência e de reconstrução de outros saberes. Para povos e comunidades colonizados, como indígenas e afrodescendentes, essa desobediência pode significar a afirmação de suas histórias, cosmologias e modos de vida como legítimos e atuais.

Mignolo (2008) enfatiza que a modernidade, celebrada como progresso, esteve sempre acompanhada da colonialidade, marcada pela exploração econômica, dominação cultural e imposição epistêmica. Nesse processo, as identidades foram moldadas por categorias coloniais como “raça”, “etnia” e “nação”, que sustentaram hierarquias de poder. A “desobediência epistêmica”, nesse contexto, constitui um projeto de questionamento das definições coloniais e de análise de identidades construídas a partir de histórias e perspectivas próprias.


A leitura de Mignolo (2008) mostra-se especialmente relevante para o tema “Cultura e Poder”. Em História, compreender as disputas de poder não se restringe ao campo econômico ou político formal, mas abrange também os domínios simbólico, cultural e epistêmico. O controle do conhecimento — decidir o que é válido ou não como saber — é, em si, uma forma de poder. Assim, ao propor a desobediência epistêmica, Mignolo (2008) oferece instrumentos teóricos para repensar as relações entre cultura e poder, tanto no passado quanto no presente. No estudo histórico, essa perspectiva permite: (a) analisar como o eurocentrismo moldou narrativas oficiais; (b) reconhecer formas de resistência cultural e epistêmica de povos colonizados; (c) reposicionar o historiador como agente capaz de considerar múltiplas vozes e epistemologias; (d) valorizar a História como campo de disputa cultural, no qual identidades e saberes são permanentemente negociados.


Nesse cenário, impõe-se um questionamento fundamental:

Quais saberes — indígenas, afrodescendentes, populares e tradicionais — foram historicamente negados pela filosofia e pela ciência ocidentais, e de que modo a desobediência epistêmica pode reposicioná-los no campo da História e da política do conhecimento?

A crítica de Mignolo (2008) ao eurocentrismo e à colonialidade do saber evidencia como o controle do conhecimento opera como mecanismo de dominação e como a “desobediência epistêmica” se configura como movimento de resistência cultural e política. O texto inspira práticas acadêmicas críticas e socialmente comprometidas, capazes de romper com narrativas únicas e abrir espaço para outras Histórias. Nesse sentido, a “desobediência epistêmica” não significa rejeitar a filosofia ou a ciências ocidentais, mas recusar sua pretensão de universalidade. Essa abertura dialoga com a trajetória da História Cultural, especialmente a partir de sua consolidação nos anos 1980 e 1990, quando buscou valorizar vozes e experiências antes marginalizadas, deslocando o olhar da historiografia centrada em elites, instituições e grandes eventos, para abarcar práticas cotidianas, representações, símbolos, subjetividades e diferentes formas de produção cultural.


Referência


MIGNOLO, Walter D. Desobediência epistêmica: a opção descolonial e o significado de identidade em política. Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Literatura, língua e identidade, Niterói, n. 34, p. 287-324, 2008.



PUC GOIÁS

Programa de Pós-Graduação em História 

Disciplina: Cultura e Poder

Professora: Dra. Fernanda de Paula Ferreira Moi

Aula: 25/09/2025

Comentários

Avaliado com 0 de 5 estrelas.
Ainda sem avaliações

Adicione uma avaliação
bottom of page